O Governo angolano, com a impune desfaçatez de quem está no Poder há 44 anos, salientou hoje que os Estados “não podem ignorar ou restringir” a obrigação de proibição absoluta da tortura ou maus-tratos “mesmo em tempo de guerras” ou outras “emergências que ameacem a vida humana”. Para quem lidera, desde 1975, um país que “só” tem 20 milhões de pobres e uma das mais altas taxas mundiais de mortalidade infantil… até não está mal.
“A tortura é reconhecidamente uma das principais violências praticadas contra o ser humano causada através de uma acção autoritária, sendo que nesta visão corroboramos com a Amnistia Internacional ao afirmar que a tortura tem propósito cruel”, afirmou hoje o secretário de Estado para o Interior de Angola, José Bamoquina Zau.
Segundo o governante, a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, vigente desde 1987, e o seu protocolo facultativo representam inequivocamente um grande avanço na tipificação da tortura como crime internacional.
José Bamoquina Zau falava hoje na abertura de um seminário sobre a Convenção das Nações Unidas Contra todas as Formas de Tortura e Tratamento Cruéis, Desumanos ou Degradantes – Diálogo e Cooperação sobre a Ratificação da Convenção.
O encontro que decorre até amanhã, quarta-feira, em Luanda, é promovido do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola em parceria com o grupo de Iniciativa da Convenção Contra Tortura (CTI, na sigla inglesa).
A realização do seminário, entende o governante, configura “premissa inequívoca” do executivo angolano, em “continuar a envidar esforços e juntar-se à comunidade internacional” para garantir a “efectiva aplicação dos instrumentos jurídicos internacionais” que proíbem a tortura e todas as formas de crueldade e humilhação.
Em Julho passado, a República de Angola (do MPLA) aprovou a Resolução nº 38/19 de 16 de Julho para ratificação a Convenção Contra todas as Formas de Tortura e Tratamento Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
Aludindo à Constituição angolana, que no seu artigo 60º consagra a proibição de forma inequívoca da tortura, trabalho forçado e tratamento degradantes, recordou que o país “já ratificou vários tratados internacionais” de direitos humanos com vista a “fortalecer” o Sistema Jurídico de Promoção e Protecção dos Direitos Fundamentais.
“Angola enquanto Estado-membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2018-2022 está aberta em continuar a colaborar com a comunidade internacional e seus parceiros na adopção de políticas e medidas consentâneas que visem o respeito pelos direitos humanos em todas suas vertentes”, assegurou.
Promover o conhecimento sobre obrigações principais da Convenção e dos instrumentos e orientações regionais e internacionais relevantes, reforçar a compreensão de questões e desafios chave para o Governo de Angola e identificar os elementos principais ligados à ratificação e à preparação da implementação da Convenção constituem os objectivos do encontro.
Peritos internacionais e a Relatora Especial da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos para as Prisões, Condições de Detenção e Policiamento em África dirigem este seminário onde participam cerca de 50 técnicos de distintos departamentos ministeriais angolanos.
20 milhões de pobres e direitos humanos?
Angola ratificou vários tratados internacionais de direitos humanos, com vista a fortalecer o sistema jurídico de promoção e protecção desses direitos a nível nacional, anunciou, em Luanda, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. Leis, tratados, acordos, convenções não faltam. O que falta é cumprir tudo isso. Mas o MPLA ainda não teve tempo…
Trata-se, repita-se, da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos relativos à Abolição da Pena de Morte.
Ratificou, de igual modo, segundo uma nota do Ministério, o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados não-internacionais, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção para a Redução dos Casos de Apátrida.
Com a ratificação desses instrumentos, lê-se numa nota oficial, Angola cumpre com os seus compromissos (formais) a nível internacional, especialmente enquanto Estado Membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2018-2020.
Angola é Estado-Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, bem como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Após a aprovação da Assembleia Nacional, o processo foi remetido para a Promulgação pelo Presidente da República e Publicação no Diário da República (nos dias 9 e 16 de Julho), em conformidade com a Lei n.º 4/11, Lei dos Tratados Internacionais, faltando apenas o depósito dos Instrumentos de Adesão na ONU.
Recentemente o Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) assinaram, em Luanda, um acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.
O acordo, assinado pelo secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.
O documento prevê, ao longo dos próximos cinco anos, o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos.
Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si é sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.
Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.
Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Num documento oficial do Ministério do Interior, é lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar…
“Angola é parte de cinco dos nove tratados principais dos Direitos Humanos e faz parte de cinco dos sete principais instrumentos legais da Comissão Africana dos Direitos Humanos”, lembra-se no documento.
Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.
A avaliação do terceiro ciclo está previsto para Novembro deste ano, numa altura em que o executivo já tem em curso a Estratégia de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018/22.
O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.
Muita parra e pouca, muito pouca, uva
No dia 26 de Fevereiro de 2018, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontece há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!
Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA vai pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo?
Falando na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que decorreu em Genebra, Manuel Augusto vincou que é por haver este caminho a percorrer que o Governo “continuará a trabalhar diariamente nos programas de diversificação económica, na criação de um melhor ambiente de negócios que atraia o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo assim o emprego à juventude e reduzindo drasticamente a pobreza”.
O diplomata angolano apresentou as principais preocupações do executivo liderado por João Lourenço, salientando que o país “continua a atribuir a maior importância à promoção e protecção dos direitos humanos e ao reforço do papel da sociedade civil na consolidação do Estado democrático e de direito e na prevalência do diálogo e da participação política inclusiva como elementos fundamentais para a convivência harmoniosa no país”.
Nesse sentido, acrescentou, “Angola está cada vez mais comprometida com acções que visam apoiar a criação, desenvolvimento e empoderamento das organizações da sociedade civil e privados, assegurando a actores não estatais a informação e participação inclusiva na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas públicas, bem como os apoios necessários para o desenvolvimento das suas actividades”.
Manuel Augusto disse ainda que o Governo quer “incentivar as organizações da sociedade civil a apresentar iniciativas e projectos junto da Administração Pública e de outros órgãos do Estado e prosseguir com a reforma do Estado, boa governação, luta contra a pobreza e combate cerrado à corrupção e à impunidade”.
Na verdade, a situação dos direitos humanos em Angola melhora a cada dia que passa e, embora não tenhamos um quadro perfeito, o país faz a sua caminhada. Isto, é claro, a nível dos que integram a elite do regime.
Os angolanos têm noção exacta do patamar em que se encontram em matérias dos direitos humanos, sabem igualmente melhor do que ninguém sobre os desafios imediatos e querem progredir. Além da realidade pós conflito cujos vestígios existem em muitas partes do país, podemos dizer que muito mudou em matéria de direitos humanos. Hoje, temos um quadro completamente diferente se compararmos o estado actual dos direitos humanos ao de há alguns anos.
Não há no mundo uma ementa ou modelo que sirva como paradigma em matéria de direitos humanos. As leis angolanas e os instrumentos legais internacionais subscritos pelo Estado angolano, que não são cumpridos e apenas existem formalmente, além de uma experiência de reconciliação marcada por intolerância, denegação do diálogo, são bases relevantes para se verificar como o regime tenta vender gato por onça.
Angola participou na 58.ª sessão da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) que decorreu em 2016 na cidade de Banjul, Gâmbia, que se tornou numa espécie histriónica de “Meca dos direitos humanos em África”. Como africanos devemos olhar para este importante mecanismo continental, a CADHP, através do qual os Estados africanos supostamente avaliam o estado dos direitos humanos em África, como uma ferramenta indispensável… se fosse para ser cumprida.
Sem prejuízo para as demais instituições regionais e Organizações Internacionais que superintendem os direitos humanos, é preciso potenciar cada vez o papel que a CADHP deveria fazer em África.
Naquela cidade, o então secretário de Estado dos Direitos Humanos reafirmou mais uma vez o compromisso do Executivo de sua majestade o rei da altura, José Eduardo dos Santos, no sentido da contínua garantia, promoção e protecção dos direitos humanos e liberdades fundamentais para os angolanos de primeira, no âmbito das suas obrigações continentais e internacionais.
Fazendo jus às palavras emblemáticas constantes na Constituição (que o regime não cumpre) segundo as quais “Angola é uma República baseada na dignidade da pessoa humana”, as autoridades do país empenham-se para fingir que a agenda dos direitos humanos está no topo das prioridades. E assim tem sido, razão pela qual o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais continuam a não ser uma realidade em todo o país.
Como qualquer Estado cujas tarefas para limar arestas em torno dos direitos humanos prevalecem como fins a alcançar num horizonte de mais 40 anos, as autoridades angolanas reconhecem que há ainda muito por fazer. O fundamental é que gradualmente numerosas metas continuam por alcançar e muitas outras o poderão ser na medida que o reino venha um dia a ser um Estado de Direito.
Em teoria, o país mostra-se aberto a passar regularmente pelo crivo de instituições que lidam com os direitos de dimensão continental, mundial e cujas recomendações são normalmente aplicadas no país.
Não podemos perder de vista que numerosos Tratados e Convenções internacionais têm força jurídica no ordenamento jurídico interno, o que torna Angola – nesta matéria – num reino arcaico e esclavagista.
É natural que as expectativas no que à observância dos direitos humanos dizem respeito sejam elevadas, embora seja igualmente recomendável que deixemos as instituições trabalharem nos próximos 40 anos já que, recorde-se, nos últimos 44 anos andaram para trás. É fundamental que, em vez da promoção de campanhas que visam denegrir os donos reino, sejamos participantes activos nos esforços das instituições para melhorar a situação dos direitos humanos no país. Muitos dos parceiros do reino, tais como as organizações de defesa dos direitos humanos, realizam tarefas importantes na medida em que contribuem para olhar para o problema dos direitos humanos sob diversas perspectivas.
Mas há também, dentro e fora do reino, organizações que correctamente concebem planos e promovem campanhas para, constatando que o reino é cada vez mais esclavagista, mostrar que também neste assunto o rei vai… nu.
Somos, comparativamente a muitos outros Estados em África e no mundo, piores em matéria de direitos humanos. O fundamental, e que devia ser encorajado por todos, é a luta para que um dia destes deixem, por exemplo, de existir presos políticos em Angola.
Urge pôr em causa a falsa abertura e a não menos falsa cooperação do reino, tal como é amplamente realçada pelas organizações internacionais, particularmente a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos povos.
As instituições angolanas são favoráveis à vinda ao país de entidades amigas e compráveis, colectivas e singulares para “in situ” terem uma percepção real sobre a situação dos direitos humanos que o Governo lhe queira vender. Toda essa demonstração por parte do reino demonstra que o Governo angolano nunca esteve pronto, disponível e aberto para o diálogo sobre direitos humanos com as competentes entidades, sendo muito, muito, o que tem a ocultar sobre esta matéria.
Na 37ª sessão regular do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e no plano internacional, a intervenção do governante angolano centrou-se na análise das crises, considerando que “o contexto internacional actual é marcado pelo aumento de tensões resultantes das múltiplas crises e conflitos nas várias regiões e que estão na origem das principais violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais”.
Angola, acrescentou o diplomata, defende a “preservação da paz, estabilidade e segurança internacional como condições essenciais para o pleno exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem constar entre as prioridades deste Conselho”.
Também importante é que as especificidades regionais sejam levadas em conta na análise internacional: “A agenda desta sessão contempla a análise dos direitos humanos nalgumas regiões, incluindo países africanos mergulhados em instabilidade política ou social generalizada”, disse o diplomata.
“Gostaríamos de sublinhar a necessidade, sempre que possível, ter-se em consideração a posição ou recomendações das instâncias e dos mecanismos de consultas políticas regionais ao abordar-se a situação desses países, que aliás é uma posição defendida pelo secretário-geral das Nações Unidas no que diz respeito à resolução de conflitos”, concluiu o governante.
Folha 8 com Lusa